Espólios de Treino - Michelle

No fundo da casa quase ainda ouço seu canto vindo da área do balanço, metal, barras de peso, halteres, o suor escorre por minha testa pingando no colo dos meus seios, a exaustão me faz bem, trazendo a barra e forçando minhas costas ao limite, quase limpa minha mente, minha respiração ofegante e meu pulso alto, regrado, ritmada, aos sons dos pássaros, do deslize da correia na máquina e do toque entre os pesos.

Minha vestimenta um top, meu abdômen exposto contrai e se liberta, ressaltando as formas delineadas deste, não quero chorar, busco não fazê-lo, se a família Davis me deu a vida, tenho de fazer algo com ela para que seja de fato digna disso. Conforme faço força e alterno de exercício, também clareio meus objetivos. Manter a mansão Davis, conseguir dinheiro de alguma forma para isso e também, ao fim, vingar aquele que fez mal a minha família, ele pode pensar que eu não sei quem ele é, mas eu o encontrarei.

De frente paro o saco de areia, mãos em luvas, pulso firme, enfaixado para sua proteção, soco atrás de soco, causando estrondos que fazem os pássaros de antes alçarem vôo e afastar-se da janela, minha raiva em cada golpe, como se deixasse-a absorvida por aquela estrutura, praticando também meu jogo de perna, tendendo para um estilo mais pugilista, entrando com socos diretos e ascendentes, alternando para alguns cruzados enquanto movimento-me em seu arredor circularmente em direções alternadas.

Meus punhos já doloridos, o suor elevando o brilho de minha pele, direto, direto, meus olhos fixos, vorazes como os de um predadora, sedenta por sangue, cruzado, direto, alternando lateralmente em jogo de pernas, inclinando meu corpo suavemente para baixo, ascendente, direto, por fim, tomando um certo espaço e alinhada de forma precisa, um direto firme e de tamanha força que desliza o peso através de seus espaço ao teto.

- Less…

Máquina pesada, uma música envolvente, o pino no limite, oitenta kilos em cada lado, meus músculos no limite, as veias me sobressaem, na dor da superação limpo a mente de meus problemas. São quinze repetições em quatro séries, o ar que me escapa e volta em respiração pesada, acompanhada pelo som do cabo de aço deslizando e do peso batendo contra a base.

Meus braços arqueiam-se puxando aquela e estrutura e então soltando-a gradativamente, o esforço em ambas máximo, usando base de musculação focada em sustentação física e aumento de massa para o peso de meus golpes, o caráter excêntrico daquela forma de musculação com todo o tempo que isso toma, por vezes meu corpo estremecendo sem forças e depois tornando.

- I wanna stop…

Meus lábios balbuciando palavras em um canto baixinho enquanto levanto-me para sentir o peso em minha musculatura, em golpes contra o saco de areia novamente desferindo golpes pesados no saco concentrada, olhos no alvo, punhos que aderem com violência balançando a estrutura.

- … we can’t...

Meus punhos ainda mais violentos contra o couro negro, esquerda, direita, bufando e colocando meu espírito em cada golpe conforme cantava baixinho a música, em mundo de magos e não humanos, para ser alguém preciso ser mais que boa, preciso ser absurda.

- ...you make me a believer…

A voz de Less soava em sua mente sobre a mesma canção, sua voz que ofuscava em beleza a de Elle mesmo que esta também cantasse, com os cotovelos golpeava, sentia os músculos oscilando pelo esforço, por vezes sua força vacilava. Maxilar forçado, empenho no limite até um golpes final mais leve com as costas dos dois punhos trazia consigo o fim. O peito inflando e contraindo em grande velocidade.

- … believer!

Treinar já era um hábito antes, se o balanço era o lar de Less, o meu lar estava ali na academia aos fundos da casa, após a perda de meus familiares, isto apenas se intensificou, eu estava decidida aquele dia a ir atrás daqueles que julguei culpados, mas, ainda não sentia-me forte o bastante. Eu não possuía uma magia como Less, isto nunca tinha me incomodado antes, entretanto era inegável pensar que me era uma desvantagem perante um combate injusto entre forças desiguais.

- Cause I had the best of the worst sides…

Deitada sobre o aparelho com minhas pernas projetadas ao alto, em quarenta e cinco graus, empurrando a grande barra de metal acoplada a um sistema de roldanas, cantarolando as música que ouvia minha irmã o fazer, a falta do som de sua voz fez eu mesma cantar tornar-se um hábito, meus lábios acompanhavam as fibras de minha perna e som do deslizar dos pesos como uma sinfonia fúnebre e carregada.

- ...And I had these lungs, oh…

Meus músculos interpostos de minha perna, flexores e extensores, em harmonia trabalhando juntos e trazendo a barra para perto e longe de mim com alternância de forças, visível o desnível muscular em minha perna com as protuberâncias de maior esforço ressaltadas, o som de minha voz por vezes espremido saindo do tom adequado, mas retornando com o mesmo esforço com que empurro as barras ao longo do grande esforço.

- ...And I had too many flash fires....

Ao fim da minha seção de exercícios, virando de lado e sentando no aparelho ofegante, sentindo o suor escorrer por minha face e meus olhos um pouco trêmulos, uma ducha ao fim corredor, me lavando e logo estaria pronta para enfrentar meu destino e começar minha procura pelo covarde que coordenou o ataque a minha família e fugiu.

As margens, o resplandecer do sol que se faz toca-me, inundando o recinto ao fundo da grande e solitária casa, concedendo a energia que no ambiente fúnebre não há outra que o faça.

Ao abdômen da mulher, roupas leves, músculos rígidos, metal como a fria neve. O toque do couro sobre sua pele naquela zona nua, a convicção não tão intensa como poderia apresentar-se, banhada em medo, ainda crua. Recentes eventos dariam-lhe mais convicção a respeito do intento, ainda que brandas e leviana fé, sua força respondia no impulso de seus atos, passos firmes sobre solo arrastando a pesada estrutura.

- Just a young gun with a quick fuse...

O vibro de seus braços e o brado de sua voz em um canto que não escondia o cansaço e dor, de seu esforço intenso e movimento constante, levando consigo o metal e deixando o peso em alívio, de gradual forma e pontual norma, de conduta a prática. Mais força, mais poder, mais capaz de lidar com aqueles que se opuserem, sem magia ou meios, dos punhos a fronte contra aqueles que se opuserem.

- I was uptight, wanna let loose… I was dreaming of bigger things...

Cantar não lhe traz benefício ao corpo, certamente, entretanto, sua alma se limpa, certa paz lhe toma e o pensamento alinha. Somente o avanço e recuo de seu corpo puxando a frente lhe importa, ao som de sua própria voz e pensamentos, que em certo descontentamento, atroz, não substitui aquela que antes lhe concedia a trilha, sentada ao balanço do jardim.

- And wanna leave my own life behind